Luciana Branco
16.11.2023
Insistir ou desistir?
Para o Sol escaldante, ar-condicionado. Para a tristeza, estabilizador de humor. Para a febre, ibuprofeno ou paracetamol. Para cada sintoma, uma solução rápida, aparentemente eficiente e que, necessariamente, cale o sintoma antes de qualquer diálogo.
Na semana passada, a home do UOL publicou uma manchete indicando que os “best sellers” da Black Friday deveriam ser: bebidas alcoólicas e remédios livres de receitas. Sintomas. Com a onda de calor, o ar-condicionado roubou a cena da lista e tem os preços aumentados, li hoje. Novos sintomas dentro do mesmo organismo vivo.
Tudo parece estar criado para que não se interrompa o que “precisa” ser feito. A máquina precisa girar e seguir alimentando quem há tempos está farto, a despeito dos famintos.
Lembra, houve uma pandemia e, no minuto seguinte do isolamento social, aprendemos a nos conectar virtualmente porque “o show não pode parar”. Poderíamos até morrer, mas antes, precisaríamos entregar o combinado no contexto que já não existia mais. Perdemos a chance de dialogar com o sintoma, mesmo tendo visto os golfinhos voltando aos canais de Veneza, a Natureza poeticamente indicado que existimos demais no planeta, ocupamos muito espaço.
Ontem li sobre uma tempestade solar que pode modificar o campo magnético da Terra e nos deixar sem internet por meses. MESES. Comentei com amigos que, imediatamente perguntaram: “Quando?”, com um sorriso entusiasmado. Sintoma.
Desaprendemos a parar para dialogar com os sinais. E também a agir após os sinais, abrindo mão do que parece ser certo.
Desistir é deixar de existir. Precisamos lembrar que ainda podemos deixar de existir em alguns aspectos. Simbolicamente, deixar de existir. Para que talvez os sintomas não insistam. Para que a morte não precise ser literal. Insistir tem a ver com persistir, que significa “demonstrar perseverança; dar continuidade; não ceder”.
Pra quê? Pra que não ceder? Por que não ceder?
Ceder é sabedoria. Desaprendemos o vai e vem. O começo e o fim. Vivemos numa continuidade incessante que rouba os significados dos dois lados de todas as moedas. A febre é sintoma de uma infecção. Infectamos o planeta de nossa mania de insistir.